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#161 - EYN Convida: Antonia Figueiredo

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#Edição 161

Antonia Figueiredo pinta como quem deixa recados em paredes, só que com tinta acrílica, pastel oleoso e colagem. Suas telas têm humor, têm força, têm pop e têm poesia. Uma combinação improvável de textura orgânica com cores berrantes, figuras humanas, bichos e plantas — tudo com um traço que parece cru, mas é pensado até a última pincelada. Nascida no Brasil em 1997 e hoje radicada em Lisboa, Antonia deixa a luz da cidade entrar em cada obra e incorpora motivos botânicos, figuras humanas e animais de traços crus, conferindo às suas obras uma aparência leve e alegre, mesmo quando o tema é sombrio. Sob a superfície vibrante, surgem imperfeições texturais, sombras e símbolos que revelam uma investigação mais profunda sobre temas como aprisionamento, liberdade e resiliência — marcas do olhar sensível de uma artista autodidata em constante transformação.

O melhor souvenir que trouxe para casa

 Eu sou uma ávida colecionadora de souvenir. Preciso mostrar para vocês minha Filofax, herdei esse hábito da minha mãe. Qualquer coisa, papel, embrulho, recibo, notinha, foto que estiver dando bobeira e eu achar bonito, eu to levando comigo. Hoje mesmo a minha rua me deu um souvenir hilário: um papel anunciando Professor Sultan, mágico astrólogo cientista. C'mon, genial!!

Um conselho que vale a pena compartilhar

O tamanho da luz é o tamanho da sombra. Toda moeda tem dois lados, o truque é aprender a andar entre os dois.

O melhor presente que recebi

  Pra ser bem irritante e clichê, a vida é o melhor presente que eu já recebi. 

De que maneira você equilibra os elementos clássicos e pop em suas obras 

Acredito que o equilíbrio entre os dois nas minhas obras surge de forma quase instintiva, como um reflexo das referências visuais e afetivas que carrego comigo. Os elementos clássicos, como certas poses, composições ou até paletas mais orgânicas,  trazem uma sensação de permanência, de memória e tradição. Já o universo pop, com suas cores vibrantes, ícones da cultura contemporânea e uso de texto, me permite subverter essas imagens e torná-las mais acessíveis, mais vivas. Gosto de pensar que essa justaposição cria uma tensão produtiva, quase irônica, entre o sagrado e o banal, o antigo e o presente. No fundo, é uma forma de brincar com o tempo e com a maneira como olhamos para o mundo, misturando referências eruditas com uma estética mais popular e direta.

Um podcast que vale a pena ouvir

Não sou muito de podcast, prefiro ouvir a conversa da mesa do lado. 

Uma atividade que vale a pena fazer

Visitas guiadas em museus.

Um livro que vale a pena ler

Qualquer coisa do Alan Watts — filósofo britânico que tinha o dom de transformar conceitos complexos em epifanias leves, quase musicais. Mas a mais nova adição à lista de favoritos foi The Hearing Trumpet, de Leonora Carrington. Imagine uma fábula surrealista escrita por uma artista que nunca se preocupou em fazer sentido — no melhor dos sentidos. A protagonista é Marian Leatherby, uma senhora de 92 anos, vegetariana, espirituosa e meio surda (mas muito mais lúcida que o resto do mundo). Quando recebe um trompete auditivo de presente, ela descobre que está prestes a ser enviada para um lar de idosos… que é, na verdade, um centro esotérico comandado por um culto de autoaperfeiçoamento. A partir daí, a narrativa escorrega com alegria para o delírio: abadessas travestis, viagens no tempo, o Santo Graal, a Deusa Vênus e um apocalipse feminista. Carrington não escreve para confortar — escreve para virar tudo de cabeça pra baixo. E The Hearing Trumpet é exatamente isso: um convite ao absurdo, à liberdade e à imaginação sem freio. Um daqueles livros que faz você rir, franzir a testa e se perguntar por que tão poucas histórias ousam ser assim.

Qual objeto do seu dia a dia melhor representa sua personalidade

Minhas Filofax.

Qual foi o momento em que você percebeu que queria explorar os temas de aprisionamento e liberdade através da arte

Não houve um único momento, mas sim um acúmulo de sensações, de vivências e silêncios. Quando comecei a pintar de forma mais intuitiva, percebi que certas formas, sombras e símbolos apareciam quase sem querer — como se, acidentalmente, esses temas estivessem tentando abrir um diálogo comigo. Eles se repetiam, insistiam, pediam atenção. Hoje, explorar visualmente o aprisionamento e a liberdade é uma maneira de continuar essa conversa —  comigo mesma, e com quem observa.

Descobri recentemente…

 o poder do bloco de notas no meu celular.

Uma causa que está em meu coração

Me interessa tudo que envolve o cuidado, o afeto, o feminino, especialmente nas formas mais sutis. Acredito que criar espaços (na arte, nas relações, na vida) onde possamos existir com suavidade, sem precisar nos endurecer para sermos levadas a sério, é profundamente político. Minha prática artística acaba sendo uma extensão disso: um lugar onde posso cultivar essa sensibilidade e, com sorte, tocá-la também em quem observa.

Uma tradição brasileira que você faz questão de manter no exterior

Todas! Quanto mais longe eu estou de lá, mais perto eu tento trazer o Brasil para mim.  Mas recentemente eu ando intencionalmente tentando trazer a língua brasileira para o meu dia a dia.

Qual paradoxo da vida moderna te intriga mais

 O paradoxo da hiperconexão e da solidão é algo que me intriga muito. Vivemos numa era em que tudo está ao alcance de um toque — pessoas, imagens, ideias, histórias. Tudo é muito fácil. E, paradoxalmente, nunca foi tão fácil se sentir sozinho. Existe uma espécie de ilusão de proximidade: vemos muito, ouvimos muito, mas perdemos o conceito de intenção e de presença. Os laços se tornam mais frágeis, mais voláteis, e o excesso de informação acaba nos afastando de uma presença real — tanto com o outro quanto com nós mesmos. Tem um livro incrível, inclusive, chamado The Age of Absurdity. Recomendo muito.

E eu também participo desse paradoxo. Tenho uma mente que corre muito rápido — mais rápido do que eu consigo acompanhar. Tenho TDAH e estou constantemente presente nas redes sociais. Me alimento desse fluxo, mas também me perco nele. É como se eu existisse entre dois mundos: o da velocidade e da exposição, e o da quietude que eu tanto busco através da arte. Talvez por isso pintar tenha se tornado quase uma necessidade física — um jeito de suspender o tempo, de silenciar o barulho dentro e fora de mim. Meu trabalho tenta criar esse espaço de pausa, de intimidade, de desaceleração. É um gesto de resistência, mas também de reconciliação: com o meu próprio ritmo, com a minha atenção fragmentada, e com a vontade de encontrar algo verdadeiro em meio ao excesso.

Quais artistas ou movimentos mais inspiram seu trabalho atualmente

Eu sempre vou me referir aos clássicos, eu amo o renascimento italiano e norte europeu. Van Eyk e Piero De La Francesca tem meu coração. 

© O Casal Arnolfini, Jan van Eyck, 1934

Uma mudança que você gostaria de ver no mundo

Mais intenção. Sinto falta de um mundo que pensa.

Uma frase que vale guardar

Protect me from what I want.

Um hobby ou paixão que as pessoas ficariam surpresas em descobrir sobre você

Guitar Hero. Eu sou mestre naquela guitarrinha de mentira.

Uma receita que vale a pena experimentar

Colocar 1 shot de café e açúcar de coco na sua receita de bolo de banana. Depois me liguem para agradecer.

Quando eu quero me sentir bem, eu…

Me cerco de amor. Seja cuidando de mim — ouvindo música, me mimando com autocuidados, como máscaras, banhos longos, rituais de spa — ou me cercando de mulheres que me fazem sentir leve, que me fazem gargalhar alto.

Meu lema é…

O mundo é uma extensão de mim.

Um lugar que significa muito para mim

Lisboa

Uma marca que vale a pena conhecer

© @doralarsenlingerie

Uma indulgência da qual eu nunca abriria mão

Começar o dia devagar. Preciso de pelo menos 3 horas para me entender como gente.

Uma conta do Instagram que vale a pena seguir

@morbidanatomy é um arquivo de imagens incrível.

A última peça de roupa que adicionei ao meu guarda-roupa

Os pijamas da Damson & Madder

Meu app favorito

Uber Eats, Spotify e Goodreads

O único artista cujo trabalho eu colecionaria se pudesse…

Hilma AF Klint

© Hilma af Klint, Group X, No. 1, Altarpiece, 1915

Um filme que vale a pena assistir

Fantasia, aquele antigão da Disney. É um dos meus favoritos de todos os tempos!

Uma pergunta que vale a pena fazer

Todas. Todas as perguntas valem a pena!

Um hábito que vale a pena cultivar

Ler e escrever. Leia com frequência e tome muitas notas sobre tudo!

Que mensagem você espera que os observadores levem de suas obras

A mensagem do meu trabalho não me pertence completamente, ela acontece no espaço entre a obra e quem olha. É uma conversa que cada pessoa vive de um jeito. Eu ofereço um fragmento, uma imagem, uma sensação… mas o que ela desperta ou revela no outro vai além do meu controle. E eu gosto disso. Gosto muito! Gosto da ideia de não tomar essa atitude de que o que eu vejo é tudo que existe.

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