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#173 - EYN Convida: Pía León
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#Edição 173
Nome de ponta da nova gastronomia latino-americana, Pía León entrou aos 21 anos na cozinha do Central — eleito diversas vezes o melhor restaurante da América Latina e, em 2023, o número 1 do mundo pelo World’s 50 Best Restaurants. Em poucos anos, virou chef do restaurante e o comandou por uma década ao lado do parceiro e marido, Virgilio Martínez.
Hoje, além de co-dirigir o Central e o MIL Centro, Pía assina seu próprio projeto: o Kjolle, em Lima - entre os 10 melhores restaurantes do mundo em 2025. Batizado com o nome de uma árvore andina de flores amarelas que resiste a climas extremos, o restaurante traduz sua sensibilidade para conectar pessoas, territórios e saberes ancestrais, com menu que celebra a megadiversidade peruana com poesia, pesquisa e cor.
Eleita a Melhor Chef Feminina da América Latina (2018) e do Mundo (2021), Pía integra o Conselho Internacional do Basque Culinary Center e já levou sua cozinha a palcos como Harvard e o programa infantil Waffles + Mochi, de Michelle Obama. À frente do centro interdisciplinar Mater, criado com Virgilio e Malena Martínez, investiga a biodiversidade do Peru e colabora com comunidades locais, como no projeto Warmi, que resgata técnicas tradicionais de tingimento com plantas nativas.
Pía León transforma ingredientes em histórias e cada prato em uma declaração de amor ao Peru.
Qual superpoder você gostaria de ter
Poder controlar o tempo. Poder pausá-lo, retrocedê-lo ou adiantá-lo.
Uma lição que você aprendeu trabalhando na cozinha — e que leva para a vida
A paciência e a disciplina. Aprendi isso na cozinha, mas gosto de aplicar todos os dias, dentro e fora dela, e tenho certeza de que é um lembrete que me acompanhará para sempre.
O momento que você entendeu que a cozinha também podia ser pesquisa e ciência
Quando começamos, como equipe, a nos questionar sobre o porquê e para quê da gastronomia. Para nós, a gastronomia não é apenas comida ou o que acontece no restaurante. Então passamos a entendê-la de forma mais holística e sistêmica. A gastronomia é uma convergência de várias disciplinas que dialogam e trabalham juntas. Hoje falamos de nutrição e soberania alimentar, biologia, botânica, antropologia, línguas, culturas ancestrais, história. Quando falamos de gastronomia, falamos de conhecimento para transformar. Acho que tudo começa com o que se encontra por trás dessas perguntas.
Um prato que representa o Peru além dos clichês gastronômicos
Penso na importância do uso de tubérculos e raízes na cozinha andina, então penso na Huatia. A huatia é preparada no próprio campo, construindo-se um pequeno forno com torrões de terra e caules secos de ervas, que é aceso por dentro. Quando atinge certa temperatura, colocam-se tubérculos como batatas, ocas, ollucos e mashwas, depois a estrutura é derrubada e espera-se algumas horas até que cozinhem. Quando estão prontos, são retirados dos escombros e comidos com Uchucuta, um molho de pimentas, ervas e queijo. É um momento de agradecer pela colheita, celebrar o trabalho coletivo, os frutos da espera e compartilhar com a comunidade. Tem um significado muito valioso.

O que as raízes e tubérculos dos Andes te ensinaram sobre resiliência
Os tubérculos e raízes dos Andes peruanos se adaptaram a condições climáticas extremas. A batata, por exemplo, destaca-se por sua diversidade, com mais de 4.000 variedades. Como insumos, são versáteis no armazenamento e consumo. Ancestralmente, foram preservados por fermentação, secagem ao sol e congelamento natural pelas geadas. Combinados a um vasto e sábio conhecimento agrícola, mantiveram-se firmes ao longo da história. Tudo faz parte de um grande sistema, uma rede de suporte natural, e prosperam quando estão em coerência com esse sistema.

Qual foi a maior barreira que você encontrou como mulher em uma indústria ainda marcada pelo masculino
Falo a partir da minha experiência: o maior obstáculo era a luta constante comigo mesma para provar que podia suportar o trabalho duro, as longas horas, e tudo que isso exige fisicamente. Eu me obrigava a dizer “sim” para tudo, para reafirmar que minha capacidade e vontade de conquistar meu espaço eram iguais às de qualquer outro cozinheiro.
Uma tradição culinária que você gostaria de ver renascer
Talvez “renascer” não seja a palavra, mas gostaria que a chicha de jora se popularizasse fora dos Andes e fosse mais valorizada em outras partes do país, como em Lima. Esse fermentado de milho (ou outros cereais andinos) simboliza celebração, união, festa, saúde, gratidão — e que coisa mais bonita do que isso?

O que a biodiversidade peruana revela sobre identidade e futuro
Nossa biodiversidade é nossa força. É a forma como nos relacionamos com o entorno, encontrando usos para os recursos disponíveis e aplicando conhecimento para desenvolver técnicas que permitam a sobrevivência de povos. A agrobiodiversidade mostra como o peruano historicamente domesticou espécies e transformou o entorno em jardim. Nossa identidade está ligada ao contexto natural e social. Por isso, a megadiversidade e a multiculturalidade do Peru representam riqueza, mas também complexidade.
Uma viagem que mudou a forma como você entende a gastronomia
Japão. Cada visita me mostra algo único. Me impressiono com a cultura do respeito - ao produto e a qualidade, fineza e perfeccionismo com que trabalham.
Qual foi o prato mais desafiador — técnica ou simbolicamente — que já criou?
Cada prato tem seu próprio desafio e sua própria história a contar. Alguns têm mais técnica que outros, mas todos representam um desafio no processo criativo.

Qual prato você serviria para explicar ao mundo quem é a Pía León
Desde a abertura do Kjolle, o prato Muchos Tubérculos é o que mais nos representa. Ele foi evoluindo com o tempo. Tubérculos e raízes dispostos em círculo, com uma sacha papa amazônica no centro. Acompanha uma pequena tortinha de base de kañiwa, recheada de creme de batata e coberta com lâminas de olluco rosado e amarelo, decoradas com huacatay. É divertido e colorido no prato. Surpreende: salgado e doce, crocante e cremoso ao mesmo tempo. A receita é simples, mas culturalmente poderosa — num só bocado se sente o Peru: sabores, cores e história.

Um aprendizado que veio de fora da cozinha, mas mudou a sua forma de liderar
Ser mãe. Desde o nascimento do Cristóbal, passei a ter um olhar mais sensível, paciente e empático. Aprendi a escutar e compreender as diferenças e qualidades únicas de cada pessoa.
O que significa, para você, ser uma mulher liderando uma das cozinhas mais importantes do mundo
É uma grande responsabilidade. Sou referência para muitas mulheres, então é importante agir de acordo. Meus padrões de dedicação, compromisso e disciplina precisam estar sempre elevados. Me esforçar para ser um bom exemplo me motiva e me apaixona.
Um conselho que você daria para uma jovem chef que sonha em abrir seu próprio restaurante:
Nunca faltar: planejamento estratégico, disciplina, uma grande equipe, constância e boa comunicação.
Uma frase que te acompanha como um talismã:
Tudo passa
Um(a) chef que te inspira hoje — e não é do circuito óbvio dos grandes nomes:
Meu filho Cristóbal. Ele adora cozinhar e me inspira com sua ingenuidade e diversão. Cozinha sem pressão nem pretensão.

Um sonho para a gastronomia latino-americana
Que se reconheça sua relevância e que se entenda que ela existe num contexto mais amplo, complexo e profundo do que um prato. A gastronomia latino-americana tem uma despensa diversa e abundante, mas também inúmeros exemplos de inovação e criatividade aplicada. Nossas propostas têm valor de autenticidade e conexão: falam de nossos povos e nossa história.
Um ingrediente invisível que você gostaria que o mundo aprendesse a valorizar:
As ervas e raízes. São parte da tradição e cumprem muitas funções, não só na gastronomia: têm propriedades medicinais, tintoriais, espirituais e rituais, entre outras.

A sensação que você quer que alguém leve ao sair do Kjolle:
Que entenda que não veio apenas para comer bem, mas para viver um espaço onde surgem emoções, onde se aprende e se surpreende. Kjolle oferece conhecimento, contato e calor humano.

Uma pergunta que você gostaria que te fizessem mais vezes:
Oi, Pía, como você está?
Se pudesse jantar com uma personalidade histórica, quem escolheria
Chabuca Granda

Se pudesse mudar alguma coisa na estrutura da indústria gastronômica mundial, qual seria?
A forma como se mede a sustentabilidade.


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